domingo, 18 de dezembro de 2011

Que dúvida

Não se pergunta mais. As perguntas cessaram por muito tempo. Enchemos nosso mundo de respostas. Esgotamos todas as perguntas, não é mesmo? “Resolvemos o problema da felicidade”. Resolvemos o problema da dúvida. A dúvida que trazia angústia, conflito, não existe mais.

“É a pergunta que nos motiva”. É o filme que termina em aberto, a história sem fim, o conto inacabado. As respostas nos matam enquanto seres humanos. Destroem a humanidade que existe em nós. As respostas não podem encerrar as perguntas.

Não me venha com respostas! Muito menos as prontas. Não concorde comigo. Não ofereça senão perguntas às minhas próprias indagações. Eu quero a discordância, a dúvida, a angústia de volta. O sentimento de insatisfação, a alma “armada e apontada para a cara do sossego”.

Onde foram parar as perguntas? Trancafiaram-nas? Criaram um Neo-pandorismo no qual foram retidas todas as dúvidas, todos os incômodos, toda a beleza do caos e seus infinitos potenciais de criação, destruição, transformação?

Trancafiaram a angústia dentro do consultório? Virou doença, algo não menos que condenável? Numa sociedade doente, questionar os princípios de nossa morbidade social ou o ilusório estado de bem-estar e avanço no qual estamos imersos se torna sintoma, é “coisa pra psiquiatria”?

A depressão com o mundo. A tristeza que “não se consegue explicar” se torna doença passível de tratamento, medicalização, isolamento e “cura”. A insatisfação com o mundo por si só não pode existir. Deve haver uma explicação plausível, mensurável e tratável.

Não pode haver pergunta sem resposta. Já imaginou o risco? E ter destruído tudo isso que foi erguido com tanto esforço? Se os ciclos ficam em aberto, existe o risco das nossas aquisições ruírem. Pó. Não pode haver pergunta sem resposta. E dada uma resposta, deve-se cessar as perguntas. É assim nas escolas: quantas vezes os professores realmente assumem na prática o discurso de “eu explico quantas vezes for necessário caso vocês não entendam”? Mentira! Perdem a paciência na terceira, quando não na segunda tentativa do aluno de “ousar não engolir a primeira resposta”. É assim dentro de casa: quantas vezes filhos não são castigados ou agredidos por fazer “perguntas demais”? É assim na sociedade: Vivemos uma ditadura fantasma. Não se vê mais mortes, torturas e queimas de arquivo. Mas experimente questionar tudo. Experimente demonstrar o menor estranhamento ao mudo e às suas regras e estruturas. Tão rápido quanto terminar de proferir um “por que?” e o indivíduo já se vê experimentando os mais variados graus de marginalização.

Todos se fingem contentes e satisfeitos. Otimamente conformados com todas as aquisições da nossa querida humanidade. Igualmente queixosos, ranzinzas e insatisfeitos. Tornamos-nos esse irônico paradoxo de (in)satisfação. Sem culhões para nos dispormos ao legítimo estranhamento significativo do mundo e fadados ao sorriso amarelo da resposta que encerra nossas perguntas.

Para não incomodar o vizinho – ou a nós mesmos – simplesmente paramos de perguntar. Apenas concordamos.

Sem lugar para o “não”, nos auto-acorrentamos ao eterno, confortável e insosso “sim”.

Não me venha com mais respostas. Eu não sei qual a saída, nem quero doses da arrogância alheia, essa prepotência insuportavelmente disfarçada em boas intenções.

Alguma dúvida?

sábado, 17 de dezembro de 2011

Gaiola

E o que a gente faz quando se encontra atrelado à própria história? Às vezes eu penso que deveria haver um modo de se libertar do próprio passado. Começar de novo. Papel em branco. Escrever a própria história.

Esse papo de que "nós escrevemos nossa própria história" tem muitas limitações. Acho que o único modo delas não existirem seria estarmos numa ilha deserta gritando "Wilson!" e correndo de um lado para o outro.

E o que a gente faz quando nos vemos presos a situações que nós não escolhemos mas das quais, ainda assim, como quem ri da nossa impotência e circunstancial insignificância, não conseguimos nos livrar e nos afetam de forma tão profunda a ponto de afetar quem nos cerca?

Às vezes dá vontade de sumir...cair no mundo, abandonar o passado, abandonar a história, abandonar tudo. Seguir como se deveria...

É um misto de ódio e desamparo...no fim das contas, somos nós os mais afetados pela nossa própria história...dela não dá pra fugir...os outros podem fugir da nossa história fugindo de nós...nós não temos essa opção, não há opção se não o cárcere, pelo menos não sozinho.....como a sujeira que fica encrostada na nossa pele, por mais que nós esfreguemos pedra, bucha..até esfolar, até sangrar...sai o sangue, sai a pele, sai o couro, mas a mancha permanece...continua lá...rindo dos nossos esforços vãos...

vontade de fugir...sair correndo até deixar todo esse peso para trás

como quem toma impulso pra ver se consegue escapar por entre os vãos da gaiola

poder voar, enfim...

mas tem muita lama nas minhas asas....

e eu não consigo limpá-las sozinho....

alguém?

toc, toc....


silêncio....

"there hay no banda!"

domingo, 4 de dezembro de 2011

Declarações de amor

...

não há nada que a palavra diga
que expresse melhor que meu corpo em presença.

enxurrada/das explosões

É tudo uma questão de compreensão/incompreensão

comportas de águas represadas não se abrem à toa

"olha, tem um monte de água aqui, é perigoso e complicado, dolorido"
"não, você não entende, não tem água, na verdade isso que você chama de água é 'isso, aquilo e aquilo outro'"
"não, é sério, tem muita água, me escuta!"
"não, você é que não está me escutando, se você olhar por esse lado, vai ver que não tem água e que na verdade o que eu vejo é 'isso, aquilo e aquilo outro"
"..."
"o que foi?"
"é água"
"já disse, não é."
comportas se abrem, encharcando tudo que há pela frente
"que foi, se molhou? mas ué, não foi você quem disse que não havia água?"


coisas desnecessárias, não é mesmo?

comunicação.

Oximoro

Da primeira vez que ouvi essa palavra, não sabia ao certo o que era. Logo o professor disse que era o mesmo que "paradoxo". E eu fiquei indagando porque inventar outra palavra pra designar "paradoxo", se ela mesma já é tão misteriosa, tão paradoxal?

Oximoro me lembra peixe, na verdade, me lembra oxiurus, que de peixe não tem nada. Mas quando eu leio ou ouço "Oximoro", me vem em mente aqueles animais aquáticos primitivos...sei lá

tão estranho quanto o entendimento da palavra, é o entendimento de seu sentido. Ainda mais quando se sente.
Essa coisa mista
esse amor-ódio
essa saudade-raiva

essa vontade de brigar
essa vontade de abraçar
gritar
beijar
esbravejar
dormir junto
abraçado, colado
uno

tanta coisa na garganta
tanto amor contido

tanta coisa ferida

tanta coisa ao mesmo tempo

nada se anula

tudo se soma

e no meio de tantas adições

esse paradoxo

Irresoluto

Sabe que tem horas em que tudo dentro de nós se embalaia? É, isso mesmo, embalaia. Não vou colocar aspas. Se a palavra nunca foi dita por ninguém antes, ela está aqui, neste momento, criada.
De gatos. De balaios. Quando escrevo "embalaiado" eu imagino essa cesta de palha, com lãs dentro. Várias, de várias cores e tipos. E um gato enrolado nelas de um jeito, que não se pode definir coisa alguma.

É essa a sensação. Sem grandes explicações por aqui. Hoje acordei mais querendo ter a liberdade de me expor do que a sorte de ser compreendido. Porque compreensão tem muito disso, né? Sorte.
Lugar certo, hora certa..momento certo entre emissor e receptor. O que os falantes do inglês chamam de timming.

Mas quando tá tudo junto, e não se sabe dizer, precisar de certo, o que prevalece? E quando nada prevalece e tudo que se tem de notório, de comum, é o emaranhado? Quando não existe moda, nem tampouco média e tudo o que se mostra são impossíveis variâncias que se sobrepõe umas às outras...distribuições que nada mais têm além de variâncias....essas coisas impossíveis que só existem na nossa cabeça...que só existem na cabeça de quem sente, nunca, jamais na de quem só entende.

Sentir...essa coisa estranha e boa e ruim e amarga e doce e ácida e salgada e tenra e macia e áspera e tudo. Tudo é e nada parece fazer um sentido só. Os sentidos são vários, as ligações são outras, a lógica se expande para além de si mesma. Criam-se novos parâmetros, muda-se a regra do jogo quando se sai do simples pensar.

E fica tudo assim, Embalaiado.

às vezes dá aquela vontade incontrolável de só viver, de só sentir as coisas que são mais vivas, as coisas mais Yang..mesmo havendo tantos Yins no meio de tudo...

Na verdade a vontade é de poder viver tudo. Tudo. Yin, Yang e toda a gama existente entre eles. Nem só o negro, nem o branco. Nem vilão, nem herói. Nem sim, nem não.

De todas as possibilidades, de todas as alternativas,
Eu mesmo

Mesmo assim, irresoluto.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Diálogos

Às vezes a cegueira nos assusta
A cegueira do outro
A nossa sobre nós mesmos

E talvez a nossa cegueira assuste ao outro

O escuro sempre foi palco para os medos
os monstros 
de baixo da cama
por trás da porta
de dentro do armário

tantas coisas que nos amedrontam
que nos apavoram
e que magicamente somem

ao dedilhar do interruptor
e a mágica presença da lâmpada
em sorrisos de esclarecimento
amanhecendo as cores do quarto

mostrando atrás da porta,a parede
dentro do armário, roupas
debaixo da cama, chão
quando muito, bola, meia, peão

Às vezes sentimos o outro ausente
sentimo-no no escuro
sentimos-nos no escuro
fora dos campos de visão

Nesse esconde-esconde a gente "brinca"
"minha vez"
"sua vez"
"tá com você"
"1,2,3 fulano"

"não vale, me dedaram"

e assim as coisas vão...

para ver é preciso ser visto
pelo outro
por si mesmo

para ver é preciso tato
por vezes antes mãos do que olhos

mais que um par de olhos
ou par de mãos
par de almas
dois irmãos

cúmplices
mesmo perto
fora do alcance de visão

Saudade

A saudade que fica

A saudade que marca

No fim das coisas, o que permanece
a saudade

acaba-se o ano
findam as obrigações
os afazeres
os horários

e ela fica
persistente
menina teimosa que insiste em dizer "não!"

faz sua própria hora, essa serelepe saudade

não recebe ordens, nem conselhos
receitas ou sugestões

simplesmente vem, sem ser convidada
penetra de festa,
a que ninguém chama
nem tem coragem de mandar embora

E em meio a tantos "eu"s
ela
a saudade

essa que não se pode findar
não ainda

é preciso tempo

esse meio-irmão gêmeo da saudade

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Sacrifícios

Valem à pena?

Valem
pelos ideais, pensamentos, pessoas
por aquilo que realmente ressoa
por aquilo que assumimos

por aquilo que nos faz levantar no dia seguinte
sim, vale a pena!

"tudo vale a pena, quando a alma não é pequena"

mesmo quando o corpo parece tão pouco
parece sucumbir

reserva

segunda vez no ano
tendo que subir os giros do motor
com muito chão pela frente ainda

e o tanque na reserva...

"a vida não é fácil"
já dizia senhor Marco, grande mestre

sábias palavras

não
não é fácil

mas vale à pena
pelo menos por alguns
os poucos
que ficam
que marcam nossas vidas

com quem decidimos escrever nossas histórias
nosso roteiro sem rascunho

Vale a pena!

Por nós
pelos que escolhemos como nossos

pelo amor
pela mulher
pela vida

Vale à pena!

mesmo quando sai tudo torto
e o inverso do que tínhamos imaginado de início...

talvez o que nós realmente queremos
nada tem a ver com o que planejamos....


talvez...

latência reticente

Tempo tempo
quanto tempo até tudo explodir?

o tempo passa, o combustível vai chegando
o gás vai enchendo o botijão

o tempo...
o tempo..


o espaço e a distância
o fermentante caldo insosso vai ganhando corpo
vai ficando ácido

o riso esganiçado e cínico

o ódio latente

a latência crescente....

o silêncio me irrita.

semnome

Quando de mãos atadas e um leve sorriso no rosto, sentimos uma certa dor que não é nossa, mas ainda assim insiste, clandestina, em nos visitar, convidar ao seu sabor.
Essa estranha sensação...essa vontade de ir socorrer, curar, acarinhar...a intenção e a impotência, esse inconveniente ímpeto não-convidado...

De tudo que se passa, de tudo que não foi engano, e, mesmo errado, foi verdadeiro. Foi. Não arriscarei o "tinha que ser", não sou chegado a essa concepção. Mas foi o que foi, não tinha como não sê-lo. Não pelo momento, não pelo contexto.

O que fica hoje é a vontade do colo. Não o pedido, mas a oferta
O direito talvez perdido
Talvez por hora
Ainda assim, querido
requerido
inconsequentemente negado

A oferta tardia
os braços quentes que transbordam um calor que é muito só pra si
precisa se compartilhar

não é possível
agora não é permitido

Castigo

"vai pensar no que você fez"

tô indo...

com ímpetos de culpa
e muitas caraminholas na cabeça...

tem horas que tem que ser...

temque