De repente tudo o que ele precisava era da noite. Respirar
o ar frio e escuro o acolhia de alguma forma que só ela. Resolveu abrir os
olhos. Olhou no relógio, passara das 3h, ainda era tempo. Pensou ainda por
várias vezes se levantava ou ficava. Se Virava para o lado ou para si mesmo.
Ergueu a primeira das cobertas. Usava duas, fazia
muito frio. Sentiu diminuir o peso sobre seu corpo. Sabia que dali a pouco
sentiria um leve gelar sobre sua pele. O tempo se esvaía, era preciso decidir.
Ir ou ficar? De um súbito atirou a segunda coberta para o outro lado da cama e
se sentou à sua beirada.
Com as mãos ao lado do corpo, apoiava-se na cama, a
cabeça baixa, como quem respira para tomar coragem. Respirou profunda mente.
Uma, duas, na terceira vez abriu os olhos de repente e levantou a cabeça.
Esfregou o rosto nas mãos, passando-as em seguida pelos cabelos, enquanto
tornava a fechar os olhos. Precisava de uma ducha.
Entrou no banheiro e fechou a porta rápido por causa
do frio. Ligou o chuveiro e se sentou sobre a tampa do vaso. Sempre aproveitava
a latrina para pensar, independente do motivo que o levava a ela.
Enquanto o vapor timidamente tomava conta do pequeno
ambiente fechado, a covardia de tirar a roupa enfraquecia lentamente. Temia o
frio. Temia encolher-se só. Aproveitou um repentino surto de parca coragem e retirou
a blusa, que escorreu por suas costas, pendurando-se no cano do vaso, logo
atrás. Sentiu a pele eriçar-se rapidamente. Teve medo. O frio sempre o lembrava
a sensação de medo. E como quem se protege do medo e do frio, levou as mãos aos
braços quase por reflexo, esfregou-os. O frio não passava. Quis colocar a blusa
de volta, mas o som das gotas golpeando o chão do Box o lembrava de seu
propósito ali. Devia ir à rua. Não sossegaria a cabeça sem mais uma dose de
noite.
Sorveu do frio toda sensação. Queria vivê-la. Sentir
apenas o frio, não só o medo.
Tirou a camiseta. Com o torso nu, apenas suas pernas
permaneciam de um modo ainda protegidas. Debatia o corpo magro numa tentativa
inconsciente de conter o frio. Tentava, por sua vez, suprimir os tremores.
Queria sentir o frio, queria a plenitude.
Levantou-se, mirou-se no espelho. Podia ver desde os
olhos até a altura dos joelhos.
Num movimento leve, despiu completamente as pernas.
Completamente nu, mirou o reflexo embaçado do corpo
magro no espelho. Lembrou-se dos tempos de menino, quando seu reflexo o ofendia
com a própria magreza. Hoje não mais. Hoje via beleza mesmo no corpo inquieto
pelo frio.
Virou-se de costas, esperou por um tempo parado, como
quem deixa as próprias costas mirarem-se no vidro embaçado.
Caminhou pé ante pé até a cortina do Box, sentia
penetrar-lhe as solas dos pés cada fina agulha de frio do piso de louça.