segunda-feira, 25 de maio de 2015

Da Necessidade das Paixões

Isso mesmo que você acabou de ler ali no título
NE-CES-SI-DA-DE

e ponto.

Já é mais do que batida a ideia de que ninguém precisa ou deveria precisar de ninguém para ser feliz ou ainda que precisamos ser inteiros conosco antes de buscarmos uma companhia que nos some, ao invés da busca idealizada, romântica e neurótica por alguém que nos complete, blá blá blá, whiskas sachet.

Mas reafirmo, sem no entanto discordar da ideia batida ali de cima: Acho fundamental e de caráter necessário a experiência da paixão em nossas vidas. Não de forma ocasional ou de exceção, algo como um prêmio de consolação, mas como um modo de vida.

Vou explicar um pouco melhor e talvez o ponto de vista faça um pouco mais de sentido, se tiver ficado confuso.

Há uns 10 ou 11 anos - céus - eu conversava com um grande amigo na volta da escola para o ponto de ônibus. Falávamos sobre a vida e sobre várias coisas. Gostava muito de conversar com esse meu amigo. Ele sempre foi desse tipo de pessoa das ciências exatas com um dom surreal para as abstrações. Muito sábio e muito chegado às simplicidades.

No meio dos assuntos que surgiram, começamos a falar sobre relacionamentos - no caso, na época, sobre mulheres - E conversa vai, conversa vem, aquela velha ladainha adolescente sobre "ai, como eu estou na seca e queria muito namorar alguém, ter uma companhia para conversas, filmes, carinhos, sexo e afins", nada diferente do normal das conversas que temos nessa época, em que a prioridade das nossas vidas parece de fato encontrarmos uma companhia afetiva e sexual.

E no meio de algumas várias trocas de ideias, perspectivas e, principalmente, expectativas, esse meu amigo me soltou o seguinte: "Sabe, kiwi, eu penso da seguinte maneira. Eu sou apaixonado por mecânica - fazíamos curso técnico então e a área dele era essa -  e só agora me dei conta disso e do quanto é importante pra mim viver nesse momento da minha vida essa minha paixão pela área. E eu também penso muito sobre garotas e ter uma namorada, mas percebi que eu preciso, agora, viver essa minha paixão pela mecânica, desenvolvê-la, como um namoro mesmo, como se fosse com uma namorada. Aí se depois disso eu encontrar uma moça por quem eu seja tão apaixonado quanto eu sou pela mecânica, eu penso em investir em um namoro."

Eu achei, na época, uma ideia fenomenal. Desde então essa conversa rodeou minha cabeça, veio e voltou, incontáveis vezes. Recentemente ela tem voltado a rodear minha cabeça com mais frequência... Já há alguns meses, na verdade.

Passei recentemente por alguns momentos de desilusão amorosa com as "mecânicas" da minha vida. Minha área de atuação é outra, ainda que eu tenha um amor especial por física e matemática até hoje e por muitos anos quis seguir a área da engenharia. Mas nos últimos anos tive alguns desencontros de encantamento com minha área de atuação, ou pelo menos com o modo como ela foi apresentada a mim pela vida como possibilidade. Repensando possibilidades de vivê-la e também considerando outras áreas de atuação, sonhos da infância e afins, comecei a (re)identificar áreas de saberes e fazeres que realmente me encantam e que me trazem significado intenso. E, após identificadas, me restava traçar estratégias para conseguir viver essas histórias de amor com essas áreas.

No campo amoroso, como me é típico, sempre houveram mil e uma reviravoltas. Recentemente algumas bem estruturais. Refletindo sobre elas e tentando me aliviar das angústias do processo, fui me refugiar inocentemente em afazeres, naqueles que eu tinha identificado anteriormente como os de encantamento e significado.

Até que de repente, enquanto eu fazia, algo mágico aconteceu: eu me percebi apaixonado. Perdidamente apaixonado. Mas não só por alguém ou por alguma relação afetiva com outra pessoa, mas por uma atividade!

Até aí ok, nada de novo. A novidade foi eu ter percebido o quanto eu realmente PRECISO dessa sensação de paixão, de sentido e de pertencimento com alguma coisa.

Arriscaria dizer que essa necessidade se estende a várias pessoas, quem sabe a todas.

Não sei se foi só comigo, mas sempre me foi incutido um certo caráter de culpa em ler como necessidade a experiência da paixão. Isso não podia, nem nunca pode, ser o foco da minha vida, onde já se viu? E pensando na paixão como algo unicamente direcionado a outra pessoa, isso ainda faz sentido pra mim dentro da minha realidade.

Paralelamente a isso, também já é bem batido o quanto é raro encontrarmos pessoas que realmente conseguem ocupar a maior parte do seu tempo com afazeres pelos quais sejam perdidamente apaixonadas.

Vivemos, infelizmente, para o trabalho. O trabalho que trocamos por dinheiro para podermos trocar por sustento e por tentativas frustradas de sentido, como o consumo de coisas que pendem entre o conforto pessoal e a conquista ou manutenção de um status quo. Por essa dinâmica de trabalho na qual estamos inseridos, gastamos a maioria esmagadora do nosso tempo e energia na atividade que escolhemos - ou não - para atuar profissionalmente. Nossa profissão, dessa forma e para várias pessoas, acaba "sendo a nossa vida".

[Isso vale para os estudos em pessoas que ainda não trabalham, mas passam a maior parte das horas de seus dias estudando para chegar nesse ponto algum dia e "ser alguém na vida"]

Então temos dois pontos aí perigosíssimos de serem misturados: o tanto de espaço, tempo e energia que gastamos com nossas atividades profissionais e o quanto elas tendem a não representar algo que nos encha de sentido, significado e paixão.

Mas a necessidade de viver o estado da paixão, eu insisto e defendo, é algo presente na gente.

Se não conseguimos isso na nossa vida profissional, vamos buscar onde?
Nos relacionamentos interpessoais. Mais comumente nos amorosos.

E é aqui que dá a bosta, na maioria dos casos, na minha opinião.

Vivemos na contra-mão do que defendeu meu amigo lá atrás naquele diálogo adolescente coberto de sabedoria juvenil. E desistindo da busca pela paixão pelos afazeres - já que esse se mostra parecer impossível para a maioria de nós - apostamos todas as nossas fichas - e pra mim o mair perigoso, a nossa felicidade - na paixão pelo outro. Mas especificamente o outro que se faz para nós de parceria amorosa necessariamente.

E é claro que se apaixonar por alguém é gostoso e importante. Pois estar apaixonado é de fato uma delícia. E, repito: NE-CES-SÁ-RI-O

Mas acho importante repensarmos a paixão para além dos moldes românticos que nos foram ensinados.

Relacionamo-nos com pessoas e isso eu defendo ser de extrema importância, mas também nos relacionamos com coisas e esse tipo de relacionamento costuma ser tido como menor, por não configurar "uma história de amor" e fugir do modelo de objetivo de vida que os estúdios Disney empenharam tanto esforço para nos ensinar, não é mesmo? Mas o grau de significado vivenciado na relação com coisas pode ser tão intenso e satisfatório - e por vezes até mais na medida em que essa relação contribui fundamentalmente para o nosso desenvolvimento pessoal e auto-conhecimento - quanto em uma relação amorosa.

Não quero dizer que as pessoas não devam viver relações amorosas ou mergulhar de cabeça em suas paixões pelas pessoas que cruzam suas vidas. Eu defendo o mergulho de ponta nas paixões que desenvolvemos por indivíduos. Mas acho importantíssimo que não deixemos de lado também nossa relação amorosa com as coisas que nos trazem significado. Que também namoremos com elas, que também desenvolvamos com elas lindas histórias de amor, independentemente de vivermos isso ou não com as pessoas que escolhemos para parcerias amorosas.

Arriscaria dizer ainda que essas paixões com as coisas, com os fazeres e com os saberes, são meios de nos relacionarmos com nós mesmos, de namorarmos a nós mesmos e suprir várias demandas afetivas que são nossas, somente nossas, mas que insistimos em atribuir às outras pessoas quando nos relacionamos com elas, por vezes às sobrecarregando.

Estou aqui, falando pelos cotovelos, para defender a importância de buscarmos nos apaixonar.

Mas de buscarmos, principalmente, ampliar nosso conceito de paixão para além das paixões que vivemos com as pessoas.

De encontrarmos, em nossas vidas, vários motivos para nos apaixonar, várias paixões que possamos viver. Paixões que possamos compartilhar com nossas outras paixões.

Pessoas apaixonadas são claramente apaixonantes. Seja essa experiência vivida com outras pessoas, com fazeres e saberes, ou com ambos.

Mas que não nos submetamos à esterilidade de viver uma vida sem paixões.

Eu quero acreditar de verdade - e lutar para que essa crença seja uma vivência - que não vivemos para trabalhar, mas antes para nos apaixonar!

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