domingo, 25 de outubro de 2015

Do porquê dos desabafos

Eu nunca lidei muito bem com a resposta a desabafos [aos meus, pelo menos].
E isso é um ponto complicado em mim, pra mim.
Eu já reagi violentamente contra as respostas padrão a eles. Em outros momentos, busquei uma compreensão, em outros ainda, dependendo de quem dava a resposta padrão e o que ela significava praquela pessoa naquele momento, eu realmente as aceitei bem.

Mas eu tenho um probleminha muito do sério com a ideia de tentarem "deixar a gente bem", quando estamos mal e vamos desabafar.
Tá que existem momentos em que buscamos contatos com outras pessoas esperando que elas nos ajudem a nos animar, mas confesso que isso em mim é bem raro.

E eu penso que isso é tão óbvio e já tão discutido que chega a ser ofensivo que raramente se faça de fato: quando a gente desabafa a gente não busca uma solução, a gente busca empatia, a gente busca uma conexão.

E quando isso da conexão me veio, boom!, me deu um estalo interno

Quando eu desabafo, eu não busco de fato uma solução. Primeiro porque no geral elas são óbvias e eu - assim como todo mundo - as conhece e sabe de cor. Porque elas são na sua maioria muito racionais. E simples mesmo. É o óbvio. E quando a gente se compartilha, a gente espera - eu acho - nem ser lido a partir do óbvio, nem que o óbvio venha a ser equiparado com a nossa singularidade. É ela que quer ser olhada, não o que ela não é.

Quando existe um desabafo, existe o compartilhar de uma profundeza. De coisas sem nome, que falam por lágrimas, por silêncios, por olhares, por linguagens outras que não a da razão ou a da "sensatez".

A gente conhece a razão e a sensatez. A gente conhece a resposta mais madura para os processos. A gente até sabe muito de como vai ser e do que vai ser.

A gente só as vezes não está buscando um sentido, nem uma explicação, muito menos um consolo na forma de uma solução. A gente tá buscando a conexão pela exposição da víscera.

E às vezes eu acho que é essa compreensão que falta: entender que durante um desabafo, a comunicação é visceral. É uma pessoa expondo suas vísceras, conversando na linguagem da víscera. E as nossas vísceras não querem saber do tempo ou da razão, elas só sabem o que sentem no momento em que sentem. O resto do corpo até sabe da transitoriedade disso tudo, mas não é o resto do corpo que fala quando desabafamos, é a víscera. É ela que deve ser olhada e é na linguagem dela que a comunicação se dá, ou deveria se dar, ou pelo menos é essa a linguagem que nossas vísceras buscam.

O contato se torna importante não porque quem ouve vai saber o que dizer para nos acalmar, vai ter a palavra certa para nos fazer entender que a dor passa, que as coisas melhoram. A gente sabe disso, pelo amor de deus, a gente não é burro!

Não é esse o ponto, não é esse o foco.
Muitas vezes a gente não quer que a dor passe, mas que possamos vivê-la. A gente não quer que as coisas melhorem, mas que elas possam ser. Que elas possam ser da maneira que elas vierem!

As coisas melhoram, a coisas passam, sim. Mas eu acho que isso acontece porque as coisas podem ser. E, sendo, a vida flui.

O que as nossas vísceras buscam quando expostas não é que elas sejam logo recolocadas pra dentro e costuradas "onde elas deveriam estar", mas que o outro saiba delas, as conheça, as veja, as olhe, as reconheça, se relacione com elas.

É incrível o quanto conseguimos nos conectar quando a minha víscera encontra a sua e quando a sua encontra a minha. Mais do que ideias em comum, mais do que concepções políticas, religiosas, ideológicas em comum. Uma vez me disseram, com muita razão, que "o sofrimento nos une", mas não é bem o sofrimento, é o seu caráter visceral! Várias outras coisas também nos unem, sofríveis ou não. Mas viscerais.

E eu sinto um medo muito grande e geral para lidar com o visceral. Porque ele não faz sentido. Nem quer fazer. Ele não tem chão, nem teto, nem paredes. Ele não tem forma, mas existe com muita força! Ninguém sabe lidar com ele e ele nem quer que lidem. "Imagem não precisa de explicação, mas de relacionamento". O mesmo para as vísceras!

Não adianta descrever como o processo vai ser e onde ele vai dar

Isso na maioria das vezes a gente já sabe. Mas a gente não está onde ele vai dar, a gente está num ponto dele. E chegar exige que os pontos sejam vividos, todos.

Mas conversar com a víscera do outro é entrar em contato com a sua própria
E isso eu sinto que assusta.

E isso assustar me assusta.

Que tipo de vida frágil é essa que a gente vive e à qual a gente se submete?

Que tipo de covardes estamos nos permitindo ser por medo das dores?

Que tipo de superficialidade e frieza estamos usando para nos esconder de nós mesmos e dos outros?

Eu já conversei com muita gente
no papel de quem desabafa e de quem ouve

E do que eu vi e vivi até agora dessa situação
Quem desabafa não busca solução, não busca razão, maturidade, sensatez
Busca víscera, empatia, conexão.

E isso às vezes exige de nós nossas crianças, nossa birra, a parte de nós que não faz sentido, mas que existe, que está viva e que é muito potente, longe da razão.

E que também
Merece
Voz.

E "só".

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