domingo, 5 de fevereiro de 2012

O círculo dos 99

Às vezes eu fico me perguntando como se dá a noção de satisfação num país comunista, ou numa comunidade tribal. Enfim, em qualquer lugar onde não se tenha essa noção estimulada de acúmulo como nós do mundo ocidental vivemos.

Pra mim que nasceu dentro dessa lógica de pensamento, é até natural pensar que "se posso ter o melhor, por que me contentar com o que é simplesmente bom?". O que de fato nos impede de cessar naquilo que é "meramente bom"?

Eu escuto por aí,  e provavelmente eu mesmo já devo ter dado esse discurso, que essa busca por mais é algo saudável e benéfico, leva ao avanço, à melhoria, à evolução. E normalmente esse impulso pelo melhor em detrimento do que é bom se justifica por essa afirmativa.

Agora pensando, olhando par ao meu quarto, que está uma zona, me veio à cabeça se a preguiça acaba não sendo consequência também desse modo excelentista de pensar. Por que não bastam as coisas estarem bem, existe em mim, assim como em vários outros que eu conheço, esse impulso do excesso que pode se traduzir como a preguiça - o excesso do ócio. Arrumar meu quarto até vai dar trabalho, mas mantê-lo arrumado não. Ações simples, como devolver as coisas em seu lugar ao invés de simplesmente jogá-las de qualquer jeito e onde cair, caiu. Eu as negligencio, e assim como eu, vários também o fazem, porque não me basta o conforto do quarto arrumado, eu quero mais, além. Eu busco o conforto de não ter o menor esforço, nem mesmo o de guardar uma roupa no armário. E é ridículo porque o esforço real de levantar, pegar a roupa e guardá-la é muito pequeno, mas a sua negligência acumulada gera um transtorno muito grande.

Eu posso estar traçando um paralelo absurdo, mas eu vejo essa situação da preguiça como uma busca inconsequente pelo conforto máximo, tal qual a nossa busca por riquezas e conforto, consumo, etc. Ambos seguem uma lógica muito semelhante: são extremamente sedutoras a curto prazo, mas trazem muita dor de cabeça a longo prazo. Será que o nosso imediatismo é a resposta?

Sei lá, virou até modinha agora dizer que a nossa sociedade é imediatista e que isso re relaciona com a velocidade de avanço tecnológico e dos meios de comunicação, produção, trocas de informação em geral. Mas às vezes eu me pergunto se é isso mesmo, ou se todo mundo aceita essa explicação porque ela um dia foi inusitada e explicava muitas coisas - e hoje ela pode acabar se tornando superficial, sem analisar outros possíveis aspectos, afinal, pra que procurar respostas de uma pergunta que já tem pelo menos uma resposta válida, não é?

Não sei exatamente ou com muita certeza o porque do nosso imediatismo. Não sei se ele está na raiz da nossa busca por acúmulos, acho que talvez seja mais questão de estar relacionado do que ser causa mesmo.

Mas o fato é que me intriga essa lógica do querer sempre mais. Se for pensar no próprio avanço tecnológico. Hoje nós vivemos muito melhor do que há um século atrás [não preciso nem voltar muito mais do que isso] em termos de recursos à tecnologia, mas ainda assim não achamos que é suficiente. Se temos um bom celular, um bom carro, o qualquer outro bem tecnológico passível de atualização, todos vão atrás da última versão, desesperados atrás das novidades "essenciais" para a nossa vida mas que, ironicamente, das quais nós não dispúnhamos até saber que elas existiam. Se for parar pra pensar por esse lado, pelo encaminhamento que damos aos avanços tecnológicos, é como se eles nos trouxessem mais angústia do que soluções.

Não estou dizendo pra todos nós voltarmos ao tempo das cavernas, quando a tecnologia de ponta era uma pedra lascada, não é isso. Mas hoje se fala tanto em tantas outras demandas, mais subjetivas - ou não, como no caso do meio ambiente - do que a mera evolução tecnológica pelo mais rápido, maior armazenamento, maior potencialidade [por que no fim das contas nossa vida hoje gira em torno disso: da expectativa e do acúmulo de possibilidades. Vivemos não pelo o que temos - não vou nem falar pelo o que somos, se não a coisa fica muito pior - mas em função daquilo que podemos um dia ter] e, no entanto, essa que eu acredito ser a maior e mais importante demanda é deixada de lado em função da potencialidade da versão 2.0 beta que vai lançar no mês que vem.

Se nós parássemos hoje com a tecnologia que já foi desenvolvida até o momento, teríamos condição de viver bem. Não seríamos imortais, mas como não o somos mesmo, não vejo muito problema em ter uma expectativa de vida de 76 anos ao invés de 87 [E se os esforços hoje utilizados para o avanço tecnológicos fossem canalizados para a disseminação do acesso à tecnologia já existente, talvez poderíamos dar a oportunidade de viver até além dos 70, quem normalmente morre antes dos 35, o que, de fato, faria alguma diferença]

E não me venha dizer que o avanço tecnológico é feito em prol do bem da humanidade que você perde meu respeito pela ingenuidade da afirmaçõ. Se assim fosse, várias doenças que tem dinâmica de contágio e desenvolvimento razoavelmente simples já teriam cura. Hoje muitas delas não tem simplesmente porque é mais interessante e muito mais rentável investir em novas tecnologias de pet scan do que encontrar a cura do mal de chagas.

E eu não consigo não me perguntar, talvez pela influência da tendência marxista nos estudos em humanas da minha geração no Brasil, quem é que realmente ganha com todo esse acúmulo, com todo esse avanço tencológico?

Para onde estamos indo e o que estamos fazendo com a nossa própria vida?

E mais importante que isso - pra mim - porque não conseguimos romper esse ciclo? Falo por mim mesmo. E duvido que haja entre nós alguém, nascido e criado dentro do nosso sistema ideológico, capaz de dizer e cumprir a ideia de viver sem o desejo de acumular, que acaba sendo consequência do desejo de possuir.

Eu não tenho respostas....e eu gosto das perguntas, porque elas mantém a discussão acesa.

Talvez o texto tenha ficado confuso...mas pra isso serve a caixa de comentários também, não é?

Até a vista!

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